Embora capciosa, a pergunta é válida, se considerarmos o fato de que vivemos em uma época em que imperam o funcional e o pragmático. Hoje, não há tempo para o que é incerto e intangível. O mistério do divino foi ocultado por nosso racionalismo funcional. Por isso, pergunto aos cristãos: por que crer no celestial como solução para os problemas terrenos? Não existem meios mais eficazes e decisivos para acabar com as situações indignas do ser humano? Em outras palavras: podemos orar e ter certeza de que esse ato terá alguma utilidade?
Essas são inquietações honestas, que surgem principalmente quando olhamos a realidade angustiante do nosso mundo. Fome, pobreza, corrupção, violência e exclusão social, dentre outros males, nos desesperam e nos levam a buscar soluções práticas, dentre as quais a oração não recebe nenhum destaque. Em outras ocasiões, esse ceticismo é visto também entre cristãos que trabalham em prol da transformação humana e do bem-estar integral dos demais. Um ceticismo que, em alguns casos, transforma a fé em ativismo e a esperança em um messianismo humano.
A vida e os ensinamentos de Jesus nos trazem à memória a centralidade da oração. Para ele, a oração era a forma de manter-se em contato permanente com o Pai, de submeter-se ao escrutínio da sua vontade, e de receber a inspiração para continuar anunciando e tornando presente a realidade do reino de Deus e da sua justiça. Jesus orava em particular e em público.
Muitas vezes se unia aos seus discípulos para praticar a oração comunitária. Ele sempre cuidou para não cair na oração ritualista, carente de sentido e de ação, como era a dos religiosos de seu tempo. Ele fez os fariseus perceberem que suas longas orações não serviam para nada; não passavam de mais uma desculpa da sua religiosidade carente de justiça e de misericórdia para com o próximo.
Contudo, será que a oração tem alguma serventia? Ela não tem utilidade quando desligada do compromisso cotidiano com a causa do reino de Deus, e quando divorciada da vida e da história. A devoção que se separa da ética não é cristã. Sejamos sinceros. A oração de nada serve quando paralisa as ações e justifica a falta de compromisso. Ela de nada serve quando aliena a existência e serve de desculpa para a injustiça.
Jesus se referia a isso quando disse: “Ai de vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Pois vocês exploram as viúvas e roubam os seus bens e, para disfarçarem, fazem longas orações!”(Mt 23.14, NTLH). As orações dos fariseus e mestres da Lei, ainda que longas e eloquentes, não passavam de um palavreado mal-intencionado para ocultar a exploração. Por isso Jesus as condenou com tanta dureza.
No entanto, ela se torna crucial quando anda lado a lado com a ação e quando se integra na totalidade de nossa vida cristã, quando é súplica sincera que busca conhecer a vontade do Pai e quando leva ao compromisso efetivo com essa vontade revelada. Jesus orava: “Que não seja feito o que eu quero, mas o que Tu queres” (Mt 26.39).
Devemos ressaltar o binômio oração-ação, para que nossas orações não fiquem na retórica litúrgica, mas conduzam ao cumprimento da vontade de Deus no mundo. Também, para que nossas ações, por mais esforçadas e nobres que sejam, não se tornem um ativismo intranscendente, no qual Deus — o “totalmente outro” — fique ausente, causando a exclusão do sentido do nosso compromisso como cristãos. Orar e não agir é tão errado como agir sem orar.
(Harold Segura/Conversando sobre a oração)
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