O que dizer sobre ser criança nos tempos de hoje? Vivemos numa época em que a sociedade se divide em querer ou não ter filhos, ou ter uma família muito menor do que as que tiveram. Várias são as questões que embasam tal decisão, mas quero chamar atenção para a frase que mais ouço: “Está muito difícil criar uma criança hoje”.
Para além de questões financeiras, ao mesmo tempo em que algumas pessoas acreditam que o mundo mudou e que as crianças também estão diferentes, continuam querendo tratá-las como antigamente; já outras, acreditam que as crianças de hoje devem seguir o curso natural da vida contemporânea e que não se pode evitar a exposição e o contato delas com todo o aprimoramento tecnológico e social que as cerca.
Independente das múltiplas convicções, vir ao mundo não é determinado por nós. Não escolhemos o dia, a hora ou o local onde nascemos. Nossos pais não foram definidos por nossa vontade, e muito menos participamos da escolha do nosso nome. Somos fruto de muitas histórias que aconteceram antes de sermos gerados, histórias de lutas, decepções, conquistas, alegrias, amor, erros e acertos. Algumas delas ouvimos falar, e outras, jamais saberemos.
É algo quase que inacreditável, mas chegamos ao mundo sem pretensão, não trouxemos nada e somos totalmente dependentes. Choramos para que nossos pulmões fossem abertos e lentamente aprendemos a sobreviver nesse novo mundo. Tudo isso parece ser tão solitário, sem propósito aparente até que a Bíblia nos mostre outra realidade. Quando Jeremias foi chamado por Deus, ainda muito jovem, Deus mostrou que tudo foi planejado por ele: “Antes do seu nascimento, quando você ainda estava na barriga da sua mãe, eu o escolhi e separei para que você fosse um profeta para as nações” (Jr 1.5).
A Bíblia nos mostra – não apenas com a vida de Jeremias, mas em muitas outras passagens – que vir ao mundo é, sobretudo, plano de Deus, que nos amou antes mesmo de nascermos. Assim, nenhum de nós foi um erro, mesmo que não tenhamos sido planejados por nossos pais ou até mesmo não tenhamos sido amados nem cuidados por eles.
Ainda muito jovem, Ester ficou órfã. Que história triste! Esta realidade poderia ter acabado com sua vida. Mas Deus colocou um cuidador em sua trajetória, Mordecai, um parente próximo que a tratou como filha (Es 2.7). Depois, ela foi coroada como rainha. Dentre muitas mulheres, o Rei se agradou exatamente dela, sem ter ideia de que ela seria usada para salvar o povo de Israel. Foi uma mulher de grande sabedoria e coragem e sua atitude foi decisiva para a sobrevivência de seu povo.
Davi, um pastor de ovelhas, o último a ser notado por Samuel na casa de Jessé, foi escolhido por Deus, ungido ainda jovem (1Sm 16.1-13). Mesmo desacreditado, se encheu de coragem vinda de Deus, lutou com um gigante de quase três metros de altura e com umas poucas pedras o matou e libertou o povo (1Sm 17.41-54). Como ser humano, Davi acertou, errou, pecou, foi perdoado e considerado na Bíblia como um homem segundo o coração de Deus (At 13.22).
Sansão foi escolhido antes mesmo de ser gerado. Deus tinha um propósito especial para sua vida, ou seja, ser um líder do povo de Israel. O Espírito de Deus o conduzia (Jz 13.25), e até o momento final de sua vida, apesar de seus erros, Deus esteve com Sansão e ouviu a sua oração (Jz 16).
Jeremias, Ester, Davi, Sansão e muitos outros personagens bíblicos nem imaginavam que o choro de seu nascimento se repetiria centenas de vezes ao longo de suas existências. Há tanta história para viver e contar entre o momento em que nascemos e morremos! Seja a nossa vida longa ou curta, nascemos por um propósito de Deus.
Há algo muito especial em ser criança: isto faz parte da vida. Mesmo querendo crescer rápido demais ou permanecer criança para sempre, em vida, essa é uma etapa que não se pode pular, pausar ou adiantar. A vida seguirá o seu curso. É uma fase que marca a nossa vida para sempre. Sejam marcas de alegrias ou tristezas, Deus jamais nos abandonou. Ele sempre esteve lá.
Quando Cristo diz que jamais entraremos no Reino dos céus se não formos como crianças (Mt 18.1-4), ele mostra que há algo especial enquanto somos crianças, algo que não deve morrer jamais, e isto é a confiança plena que as crianças trazem no coração. As crianças confiam sem julgar; aceitam e pronto. Assim deve ser a nossa confiança em Deus, como a de uma criança.
Receber uma criança é como receber ao próprio Deus (Mc 9.36-37). Somos chamados e desafiados a continuarmos sendo crianças. Somos chamados também a instruir a criança que passa pela nossa vida. Cada criança precisa ser amada, cuidada, ouvida e ensinada. É preciso dar-lhe esperança e vida plena. Ela precisa saber que existe um Deus que a ama desde o ventre de sua mãe e que tem um propósito para a sua vida.
(Emilene Araujo/Revista Ultimato)
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