Não são poucas as vezes em que os seres humanos se deparam com a insuficiência de sua sabedoria e de sua inteligência. Basta serem confrontados com temas que estão além de sua capacidade cognitiva para perceberem que são limitados e finitos. Assim como a Triunidade de Deus, a Eternidade de Deus, por exemplo, é outro tema complexo, porque não se pode pontuar-lhe um começo ou um fim. Por si só, a capacidade humana não entende a totalidade da vida infinita que habita em Deus. Nós, seres finitos, presos ao tempo e ao espaço, imaginamos a eternidade como uma mera extensão de tempo longo, abrangendo um passado e um futuro incertos, em que vida e morte são inseridas. Porém, a eternidade de Deus é algo assombrosamente mais profundo que isso, e que, por ser assim, exige a fé como elemento fundamental para a sua compreensão e aceitação.
Cientista e estudiosos renomados têm proposto nada menos do que quatro bilhões e seiscentos mil anos de existência para a terra e demais componentes, (Enciclopédia Ilustrada do Conhecimento Essencial. Readers Digest, p. 473). Esses números são deveras assustadores, mas podem dar pálida ideia do dimensionamento da eternidade que a Bíblia Sagrada atribui a Deus. Mas, conquanto seja gloriosamente eterno, o grande arquiteto do universo tem controle de tudo, e, tem uma mensagem sublime para cada ser humano: se ele dá sustentação a céus e terra, muito mais fará em favor daqueles que lhe são queridos e salvos por sua graça. Portanto, entender e beneficiar-se desse grandioso atributo de Deus, a eternidade, é a proposta deste estudo.
“Antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade, tu és Deus.” (Sl 90:2)
I - O que a Bíblia diz sobre a eternidade de Deus:
Em palavras simples e claras, a Bíblia Sagrada apresenta Deus como Rei Eterno, auto-existente, sem principio e sem fim. No Antigo Testamento, o Salmo 90:2 usa a palavra hebraica עֹ֝ולָ֗ם (‘owlam) que significa eternidade no sentido de duração para sempre, eternamente, para todos os tempos. Essa palavra pode também ter o sentido de existência contínua ou sem fim. Foi com essa idéia na mente que o salmista escreveu:
“Antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade, tu és Deus.”
Por sua vez, o Novo Testamento usa a palavra grega αἰωνίου (aiwniov) (aionios), que significa eterno, no sentido de ser sem começo e sem fim, aquilo que sempre tem sido e sempre será ou que nunca termina (cf Rm 16:26).
Os sentidos teológicos de ‘owlam e de aionios definem claramente que o tempo não tem poder sobre Deus, não lhe impõe limites, pois, em essência, Deus é eterno. Grudem define essa eternidade, dizendo que Deus não tem principio nem fim, nem sucessão de momentos no seu próprio ser, e percebe todo o tempo com igual realismo. Ele, porém, percebe os acontecimentos no tempo e age no espaço, [GRUDEM W. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.117]. Nesse sentido, concordamos com o conceito de eternidade, dado por Berkhof: “A perfeição de Deus pela qual Ele é elevado, acima de todos os limites temporais e de toda sucessão de momentos, e tem a totalidade da Sua existência num único presente indivisível” [Berkhof, Louis. Teologia Sistemática. Campinas: Luz para o Caminho, 1990, p 63].
Isso mostra o quanto Deus é maravilhoso, Todo-Poderoso, perfeito e cheio de glória (Dt 4:31-32, 33:27; Jó 11:7-8); mostra, também, que ele é o verdadeiro Deus; é sem igual; é ser divino não-criado e intensamente majestoso em suas ações:
“Eis que Deus é grande, e não o podemos compreender; e, por ser eterno, o numero de seus anos não se pode calcular" (Jó 36:26).
A eternidade é parte da natureza de Deus, como ele próprio declara:
“Eu sou o Alfa e ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso” (AP 1:8).
Ainda sobre sua eternidade, diz:
“Em verdade, em verdade eu vos digo: antes que Abraão existisse, EU SOU” (Jo 8:58).
A eternidade de Deus, inevitavelmente, traz à tona a verdade absoluta de que Deus criou todas as coisas, como explica Grudem:
Antes que Deus fizesse o universo, não havia matéria, mas então ele criou todas as coisas (Gn 1:1; Jo 1:3; I Co 8:6; Cl 1:16; Hb 1:2). O estudo da física nos diz que a matéria; o tempo e o espaço precisam ocorrer ao mesmo tempo; se não há matéria não pode haver nem espaço nem tempo. Assim, antes que Deus criasse o universo, não havia “tempo”, pelo menos não no sentido de uma sucessão de momentos. Portanto, quando Deus criou o universo, também criou o tempo. Quando Deus começou a criar o universo, o tempo começou, e começou a haver uma sucessão de momentos e acontecimentos encadeados. Mas antes de haver um universo, e antes de haver o tempo, Deus sempre existiu, sem principio e sem ser influenciado pelo tempo. E o tempo, portanto, não tem existência por si mesmo, mas, como o resto da criação, depende do eterno ser divino e do eterno poder divino para continuar existindo. [Grudem, W. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 117].
Todas as coisas criadas, entre elas, o tempo, são provas da glória e da existência eterna de Deus. Quaisquer que forem as conjecturas, quanto ao nascimento dos montes, a formação da terra, do mundo e dos seus conjuntos (cf Gn 1:1-2), pouco ou quase nada de seguro saberemos, além do que é proposto pelo salmista, que afirma:
“Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Sl 19:1).
Por maiores que tenham sido as tentativas e descobertas do homem, quem pode dimensionar a extensão dos céus, da terra e de seus componentes, além dos imaginários oriente e ocidente, do nascer e do pôr-do-sol? Deus, porém, desde a eternidade, os conhece, passeia sobre eles e por eles como Senhor absoluto, controle tudo com seu poder e com sua poderosa voz:
“Ouve-se a voz do Senhor sobre as águas; troveja o Deus da glória; o Senhor está sobre as muitas águas. A voz do Senhor é poderosa; a voz do Senhor é cheia de majestade” (Sl 29:3-4).
Deus é ser infinito e ilimitado; montes e vales, céus e terra, reinos e reis poderosos, selvas, matas e florestas nada mais são do que obras de suas mãos, espalhadas pelos diferentes pontos, no tempo e no espaço, a anunciarem a eterna ação criadora e mantenedora de Deus:
“(...) nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste” (Cl 1:16-17).
Por isso, o salmista brada emocionado:
“Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, da eternidade para a eternidade! Amém, amém!” (Sl 41:13).
Mas o fato de Deus ser eterno ou de não sofrer influência do tempo não significa que esteja alheio ao tempo; pelo contrário, o Senhor domina o tempo que para ele é sempre “presente”. Para Deus, não há passado, presente e futuro. Ele sempre vê a história em “tempo real”:
“(...) mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite” (Sl 90:4).
O fato de tudo ser presente para Deus significa que ele não esquece nada que aconteceu num passado remoto ou num futuro distante. Para ele, tudo é real, tudo está acontecendo de forma nítida; ele não esquece de nada porque o que aconteceu no ano 1000 A.C. ou no ano 100 D.C. é como o dia de ontem que se foi como a vigília da noite (cf II Pe 3:8). Grudem pondera que todo o tempo da criação é, para Deus, como se tivesse acabado de acontecer; e qualquer período de tempo curto, como um dia, para ele parece durar para sempre, porque não deixa de ser um tempo presente na sua consciência. Ele garante que os acontecimentos da história humana sempre terão na mente de Deus a mesma clareza, ao longo dos milhões de anos da futura eternidade, [Grudem, W. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 118].
Diante de tudo isto, é importante considerarmos a seguinte questão: O tempo é sempre presente para Deus, mas, quando age na história humana, respeita os limites que ele mesmo estabeleceu para sua criação: o passado, o presente e o futuro. O ser humano está preso ao tempo e ao espaço; por isso, Deus vê os eventos humanos dentro desses limites e atua conforme estes condicionamentos temporais, para poder oferecer seu amor, sua graça, sua misericórdia; para nos salvar, usa termos humanos que expressam o passado e o futuro:
“Quem fez ouvir isto desde a antiguidade? Quem desde aquele tempo o anunciou? Porventura, não o fiz eu, o Senhor? Pois não há outro Deus, senão eu, Deus justo e Salvador não há além de mim” (Is 45:21 cf 46:9-10).
O apóstolo Paulo entendeu corretamente a atuação de Deus no nosso tempo e no nosso espaço, ao dizer:
“vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4:4-5).
Em outras palavras, o Deus que não está preso ao tempo, observa-o na esfera humana, acompanha os acontecimentos, os avanços do tempo, para, na hora certa, agir em favor da humanidade. Mas, se é verdade que Deus age no tempo e no espaço para salvar, também é verdade que usa este mesmo tempo e esse espaço para condenar, “porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (At 17:31).
Para salvar e condenar, Deus usa, em Atos 17:30 e 31 os três tempos da vida humana:
“Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância (o passado); agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam (o presente); porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça (o futuro)”. Depois que tudo isso acontecer, “já não haverá noite, nem precisam eles [os salvos] de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e reinarão pelos séculos dos séculos” (AP 22:5).
II - Aplicando o conhecimento em nossa vida:
A eternidade de Deus nos lembra que somos seres limitados
Por estarmos presos ao tempo e ao espaço, compreendemos e apreciamos tudo de forma parcial. Nesta vida, nunca saberemos das coisas na sua plenitude: a vida e a morte, o bem e o mal, a salvação e a condenação, Deus e o diabo; enfim, conheceremos sempre de forma imperfeita; a palavra de Deus nos garante que:
“em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos” (I Co 13:9).
A queda no Éden, nos limitou moral e espiritualmente. Impotentes, somos passíveis às vicissitudes da vida terrena. Até mesmo quando julgamos estar bem-informados, conhecemos a Deus apenas em parte:
“Porque, antes de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio” (I Co 11:18).
A nossa natureza, os nossos desejos, o nosso querer tem limites. O apóstolo Paulo reconheceu suas imperfeições e parcialidades, dizendo:
“Miserável homem que sou (...) pois o que quero, isso não faço, mas o que aborreço, isso faço” (Rm 7:24-25).
Como seres parciais, precisamos ter cuidado para não nos apresentarmos como pessoas que sabem de tudo, que tem resposta para tudo, que viveram tudo, enfim, que resolvem tudo. Quando agimos assim, nos tornamos insuportáveis. Só Deus sabe tudo e sabe tudo! Sem dúvida, o alvo da nossa vida é a perfeição (Mt 5:48; Cl 4:12). Entretanto, por mais que queiramos viver uma vida cristã pura e perfeita – e devemos querer – ainda assim, estaremos suscetíveis a erros e enganos por causa de nossas fraquezas. Porém, o Deus eterno, que sabe de tudo e que tudo pode, jamais nos abandona em nossas limitações. Ele aproxima e nos diz:
“A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo” (II Co 12:9).
Portanto, entre querer e não poder, o que você pode fazer é reconhecer suas próprias limitações e buscar forças em Deus, que, em circunstâncias tais, jamais estará com seus braços encolhidos a ponto de não lhe abençoar (Is 59:1).
A eternidade de Deus nos lembra que somos seres em processo
Embora finitos e imperfeitos, podemos ser aperfeiçoados por Deus, no decorrer de nossa existência. A parcialidade da vida não nos impede de crescer, de desenvolver, de evoluir, de amadurecer, porque:
“a vereda do justo é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv 4:18).
Foi a este crescimento pessoal que Paulo se referiu, quando falou de si mesmo:
“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino” (I Co 13:11).
O apóstolo agiu de forma infantil, durante muitos anos, mas progrediu, amadureceu, tornou-se homem e direcionou sua vida para algo melhor. A palavra de Deus garante:
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu” (Ec 3:1).
Estejamos nós onde estivermos, o tempo e o espaço pertencem a Deus que sempre agirá para nos aperfeiçoar, como garante Davi:
“Deus é o que me cinge de força e aperfeiçoa o meu caminho” (Sl 18:30; cf Cl 2:10; Is 57:15).
Quando o cristão toma ciência dessas realidades, um novo horizonte se lhe abre e ele vai. De passo em passo, superando suas imperfeições e limitações. E não pára, mas cresce a cada dia, progride espiritualmente em obediência à palavra de Deus, que diz:
“Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor” (Fp 2:12).
Se, antes, você vivia pecando, mentindo, adulterando, roubando, enfim, praticando coisas semelhantes, a partir de então, não mais o fará, pois cresce em Deus e para Deus:
“antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno” (II Pe 3:18).
A eternidade de Deus nos lembra que seremos perfeitos
Somos parciais, mas não estamos parados no tempo e no espaço; e porque a graça de Deus nos permite progredirmos todos os dias, num futuro próximo, Deus nos libertará da prisão do tempo e do espaço e nos projetará para um lugar de perfeita paz e harmonia. Nesse lugar, seremos perfeitos; não seremos incomodados com as intempéries do tempo e a escassez de espaço (Is 25:8; Ap 7:14,17, 21:4). Algo novo e belo se descortina diante de nós, e, então, veremos Deus face a face, tal como ele é. João nos deixou uma mensagem válida para esta vida e para a que Deus nos tem projetado:
“Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele [Jesus Cristo] se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos. Vede, pois, quão grande caridade nos tem concedido o Pai” (I Jo 3:1-2).
Somos limitados, parciais e imperfeitos, mas, em breve, seremos perfeitos e perfeitamente habitaremos com Deus, em gozo de vida eternal. Você, que tem lutado e sofrido com suas limitações, esteja seguro de que o Espírito Santo vai fazê-lo crescer ainda nesta vida, e, no futuro, quando “vier o que é perfeito [Jesus Cristo], então, o que é em parte será aniquilado” (I Co 13:10). A imperfeição será substituída pela perfeição, o que é corruptível pelo que é incorruptível; o que é mortal pelo que é imortal (I Co 15:53-54). Quando isto acontecer, estaremos na eternidade com Deus, e, então, saberemos e experimentaremos as coisas como realmente elas são:
“Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido” (I Co 13:12).
Conclusão
Deus é grande e nós, infinitamente pequenos; Deus criou todo este universo que tanto admiramos, em tudo funciona na mais perfeita ordem e harmonia. Potencial e fisicamente, muita coisa no universo é mais forte do que cada um de nós. Mas, nós somos diferentes, você é diferente: temos a marca de Deus em nosso corpo e em nossa mente. Por isso, podemos senti-lo das mais imensuráveis maneiras, como ele se revela a cada um de nós. E por que é assim? Para que nós, sempre nos lembremos que somos a imagem e a semelhança de Deus; para que não nos esqueçamos de que Deus, em toda a sua eternidade, nos tem como centro das suas misericordiosas atenções. Muito mais do que aos demais seres criados, a nós, Deus permite receber mensagens dos céus, a fim de que, pela sua graça, nos tornemos a cada dia o “louvor da sua glória”, eternamente (Ef 1:12).
(Paulo César Amaral)
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Deus é Eterno....sempre Eterno
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